PROFESSOR NA LITERATURA

988x688_1910beddb5fca865a34c731774c3dc38fbc5567eViriato Corrêa publicou um livro que teria como título MEMÓRIAS DE UM MENINO DE ESCOLA caso não resolvesse entregá-lo ao editor com o simples CAZUZA. Neste, há vários professores. O primeiro, João Ricardo, era daqueles que fazia o uso de uma pedagogia que se fazia acompanhar de castigos e humilhações. Usava a palmatória para punir a falta de memória, o erro, a conversa. E usava de um expediente que, hoje, certamente faria a demissão de qualquer professor: para o aluno com o menor rendimento, colocava duas orelhas de burro talhadas a papelão e fazia o infeliz desfilar por todo vilarejo, enquanto era zombado pelas outras crianças.
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Mas, numa outra escola e no Colégio da vila, o menino Cazuza lembra de mais três outros professores: Dona Janoca, diretora; Dona Rosinha, professora; e João Câncio, professor de Históra e Gramática. O que ele relata das duas irmãs que cuidavam da escola primária talvez seja dito por muitoss alunos de roça como eu fui: professoras doces, compreensivas, firmes e amorosas.  Aquelas que tinham misturados, em sua sala, alunos das quatro ou cinco séries, e davam conta de fazer todo mundo saber o básico: ler, escrever, contar e fazer contas. Não era o tudo necessário, mas essencial. Professoras que tinham sempre uma boa história para contar e, com elas, ensinavam à meninada valores importantes como a tolerância, o respeito, a ajuda aos outros etc. No episódio que envolve as duas professoras, o autor aproveita para atualizar várias fábulas, como a da Aranha e o gavião, a do Urubu e o beija-flor, a do Sapato ferrado e sandália de veludo e outras. Todas gostosas de se ouvir.
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João Câncio, porém, é lembrado pela erudição. Mas o que me moveu a não esquecer este personagem é um detalhe que o autor faz questão de apontar neste professor. É o seguinte: tratava-se de um professor cuja bondade e comportamento esquisito compunha a graça e o deboche dos outros professores. Por quê? Usava um palavreado castiço e pedante. Dava aulas muitas vezes descambando para aplicações morais. Defendia valores como o não-castigo a animais. Dava esmolas a desvalidos e necessitados, quase a não ter o necessário para si. E, nas aulas, o menino lembra de muitas liçoes. Sobretudo das observações que ele fazia a favor dos escravos e do homem lavrador. João Câncio era daquele professor que qualquer aluno guardaria na memória com coisas simples aprendida muito além a teoria.
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Outro livro que apresenta igualmente uma professra como elemento fundamental na vida de uma criança é o clássio Meu pé de laranja lima de José Mauro de Vasconcelos. O menino Zezé, incompreendido pelo pai, garoto sensivel, de uma percepção aguçada das coisas e das pessoas, sofre com a pobreza da família e as restrições acarretadas daí. Ganha um amigo na pessoa do velho Portuga que o entende. Mas é capaz de ver que sua professora Dona Cecília Paim é a única na escola que permanece com o vaso de flores (um copo) vazio. Ninguém se lembrava de levar-lhe uma flor. Zezé tomou como tarefa, no seu coração, de que todo dia lhe levaria uma flor, ainda que tivesse de furtá-la de algum jardim no caminho da escola.
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Li, na minha vida de estudante, vários romances que me apresentam professores. Alguns importantes como estes. Outros bem carrascos, como é o caso do Ateneu de Raul Pompeia. Como também é o caso do romance Les Amitiés Particulières (As amizades particulares) de Roger Peyrefitte, levado ao cinema em 1964. Recentemente, Cristóvão Tezza, romancista gaúcho, publcou O professor, onde conta, à moda do Ulisess de Joyce, as memórias e os sentidos de um professr universitário, viúvo, inimizado com o próprio filho gay. John Maxwell Coetzee, escritor sul-africano, premiado com o Nobel de Literatura em 2003, no romance Desonra, retrata também um professor universitário que comete o crime de assedio sexual contra uma de suas alunas e só se depara com a justa avaliação disto ao presenciar o estupro violento da própria filha.
Bem, há professores retratados na Literatura. Para muitos motivos. Mas, no dia de hoje, eu queria poder encarnar o Zezé de José Mauro de Vasconcelos e roubar “uma flor por dia” para professores e professoras dos quais posso dedicar as mais honradas lembranças.
E a lista é grande: Ozélia Luciano de Freitas (minha mãe e minha alfabetizadora), Nilza Maria Maximiano, Valdomira Lima, Geni Lemos, Nancy Possetti Ribeiro, Janette Aparecida Ress, Nair Alcântara Moreira, Rejane Maria Skudlarek Leão, Dona Altina, Natércia Filomena Buranelli Guidelli, Ivone EyekoTakahashi Selonk, João Probst, Paulino Schneider, Pe. Chiquinho, Pe. Moisés, Elizeu de Morais Pimentel, Joaquim Carlos da Silva, Aluísio Aussi dos Santos, Pe. Philip, Moisés José Bueno, Amílcar Fernandes Léllis, Dom Odilão Moura.
Professores de Jacarezinho
Na foto: Ivone Selonk e Nair Alcântara Moreira
Ozélia E
Foto: Minha mãe Ozélia
É Dia dos professores hoje. A vida pode acontecer sem eles. Muitas políticas públicas atuais pensam e agem assim, desautorizando, empobrecendo, descartando e, muitas vezes, humilhando-os. Mas uma vida decente não dispensaria esse ofício que, para ser bem feito, tem que ser praticamente exclusivo.
Aqui deixo minha flor para todos os que, como eu, ousou ser um deles. Também para minha esposa que, depois de uma trajetória de 25 anos, hoje se aposentou.
1990
José Carlos de Freitas, 25 anos de magistério.